quarta-feira, 15 de abril de 2009

Metamorfose

Me responda você
Que parece um sabichão
Se lagarta vira borboleta
Porque trem não vira avião?

José Paulo Paes

Canção Mínima

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Cecília Meireles

Sentimental

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Estás sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências, um cartaz amarelo: "Nesse país é proibido sonhar."

Carlos Drummond de Andrade

Nasce uma crônica

A moça era bonita, se chamava Fabíola e me perguntou como nascia uma crônica. Entre outras coisas. Ela era repórter do jornal da Universidade de Ouro Preto e estava me entrevistando, uma tarefa que eu não desejo a ninguém, enquanto uma câmera de TV gravava tudo. Dei a resposta de sempre. Qualquer coisa pode originar uma crônica. Às vezes há um assunto em evidência que você é obrigado a comentar, às vezes é uma coisa, assim, impressionista, às vezes é pura invenção, uma frase que sugere uma história, ou um cheiro no ar, ou um incidente banal... Os mistérios, enfim, da criação. Etcétera, etcétera. Não há vezes em que as idéias simplesmente não vêm? Há, há. Acontece muito. Com os anos as ideias parecem que vão ficando cada vez mais longe, enquanto o seu poder de convocá-las diminui. Você chama e elas não se aproximam. Você grita por socorro e elas continuam longe, lixando as unhas. Você espreme o cérebro e não pinga nada. E hoje nenhum cronista que se respeite pode recorrer ao velho truque de, não tendo assunto, escrever sobre a falta de assunto. Ou desperdiçar papel caro e o tempo do leitor com um parágrafo inteiro só de introdução. Terminada a entrevista, a moça tira um livro meu da sua bolsa. Vai pedir meu autógrafo. Mas ela mesma usa a caneta para escrever alguma coisa no livro antes de passá-lo para mim. Estranho. Ela está me dando meu próprio livro autografado por ela? Leio o que ela escreveu: "Luis: a sua braguilha está aberta".
A minha braguilha estava aberta. Passeei por Ouro Preto e dei toda a entrevista com o zíper da calça aberto. Aquela situação em que, na infância - no meu caso, pré-zíper -, nossas mães avisavam que o passarinho poderia fugir. Felizmente, meu passarinho já se resignou ao seu lugar. Nada de mais apareceu, a não ser que a câmera tenha flagrado algo. E eu disse para a Fabíola que ali estava um exemplo de como nasce uma crônica. Eu fatalmente usaria aquilo, num dia de ideias distantes.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razão,Esse comboio de cordaQue se chama coração.

Fernando Pessoa